sexta-feira, 24 de abril de 2015

Dia Mundial da Poesia - 21 de março - Parte 2

     Ainda no Dia Mundial da Poesia, que aqui na escola se comemorou no dia 18 de março, a Biblioteca teve patente uma pequena exposição com trabalhos realizados pelos alunos do 1º ano e ainda, expostos numa mesa, alguns livros de poesia retirados das prateleiras para os alunos saborearem as delícias do folhear.



     Ao longo do dia, foram apresentadas no painel de projeção do espaço multimédia, outras formas de sentir a poesia.
     Aqui disponibilizam-se os linkes que permitem rever esses momentos, assim como um brevíssimo filme em que alguns alunos assistem a um dos vídeos.









     
     Para concluir o ato de "polinização poética" das flores poemas que cresceram na nossa escola, partilha-se também algumas das poesias dedicadas a um público jovem mais crescido.


   
Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos
.
                           Sebastião da Gama, “ Sonho”
Eu um dia farei de mim
uma vida diferente.

Que caminho tão triste
ladeado de lagos sem ondas
pássaros sem asas
canteiros de flores empalhadas.

Onde está a luz?

Estrela, penumbra e sonho?

Um dia verás com olhos de uma criança
um simples arco-íris
como um sorriso no céu.


                  Henrique Risques Pereira,
                        in " transparência do tempo"
                        Quasi, 2003



Dizem, meu amor, que neste inverno os ventos
passarão a mão pela seara e levarão o trigo;
que os dias serão escuros e frios – e tão curtos 
que neles não caberá paixão alguma por pequena
que seja. Contam que punhais de chuva se abaterão
sobre os pomares; e que as árvores crescerão como
feixes de serpentes, procurando ganhar
desesperadamente o céu. E acrescentam que

os pássaros advinham tudo isto e que por isso
se calam de manhã – ouço-os  bater as asas
num aceno triste; partem para o sul, dizem,
se dizem a verdade.

Só a casa ficará de pé a olhar a planície. 
dentro dela os sonhos e as recordações do verão - retratos dos lugares que nunca visitámos, uma camisa de linho no espaldar da cadeira, um livro para sempre interrompido sobre a cama. 
Ouvíamos uma canção triste
na grafonola velha. 
Dançaríamos o ano inteiro, disseram
uma noite ao ver-nos atravessar a sombra da lua.
Ignoravam, então, o inverno.
Maria do Rosário Pedreira,
“A casa e o Cheiro dos livros”
                                                      Quetzal, 1996
Um sítio
onde o mar corre prós rios
onde a luz que há de dia
é de noite que alumia

e o verão é a estação dos frios

Um sítio
onde as coisas que há de pé
estão sentadas
e onde o vento ao soprar
deixa as coisas mais paradas

Um sítio branco
um sítio tal que o deserto aqui
é  floresta tropical
e o lume é gelo
 e a montanha vale

Um sítio roxo
um sítio que é o inverso dos lugares
aqui o são é coxo
e o cego rasga os mares

Inventar um sítio assim:
fazê-lo de tão sábios traços
que ao supores fugir de mim
me venhas cair nos braços.

        João Habitualmente,
        “Os animais antigos”
         Objecto Cardíaco, 2006




Fala-me um pouco sobre o amor.
Recorda-me as palavras que se dizem
quando se cruzam dois olhares.
«Amo-te», será?

Ou talvez me devesses dizer
que por detrás das palavras
trocadas no dia-a-dia
há um espaço de ausência
onde as emoções se articulam
e os sonhos se preenchem.

Fala-me um pouco mais sobre o amor
e diz-me como foi que entraste em mim
e desarrumaste desta forma a minha vida.

Maria Carlos Loureiro, “Acasos e Mistérios” 
Quetzal -1998


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além... 
 Mais Este e Aquele, o Outro e a toda a gente...
 Amar! Amar! E não amar ninguém 
 Recordar? Esquecer? Indiferente!... 
 Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém 
 Durante a vida inteira é porque mente!
 Há um primavera em cada vida: 
 É preciso cantá-la assim florida, 
Pois se Deus nos deus voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada 
Que seja a minha noite uma alvorada, 
Que me saiba perder... pra me encontrar... 

Florbela Espanca, “Amar”



Dizem os ventos que as marés não dormem esta noite.
Estou assustada à espera que regresses:
as ondas já engoliram a praia mais pequena
e entornaram algas nos vasos da  varanda.
E, na cidade, conta-se que as praças acoitaram à tarde dezenas de gaivotas que perseguiram os pombos e os morderam.

A lareira crepita lentamente.
O pão ainda está morno à tua mesa.
Mas a água já ferveu três vezes para o caldo.
E em casa a luz fraqueja, não tarda que se apague.
E tu não tardes, que eu fiz um bolo de ervas com canela;
e há compota de ameixas e suspiros
e um cobertor de lã na cama e eu estou assustada.
A lua está apenas por metade, a terra treme.
E eu tremo, com medo que não voltes.

Maria do Rosário Pedreira, “Fado”,
 A Casa e o Cheiro dos Livros

Coração sem pátria sem continente sem mapa
coração alheio e estrangeiro

coração estranho e maior que qualquer mundo

com este passaporte

o do coração

sonho ser possível ter asas e estar em terra
ter caule e raiz  sobrevoar a sombra mais além
juntar a água ao fogo e resplandecer

conhecer
inteiro

do coração
sublime ardor
generosidade e dádiva

minhas raízes são aéreas

o sonho me leva
por onde o horizonte
se não prende

não há voo que possa permanecer no chão


          Ana Mafalda Leite, “Passaporte do Coração”
          Edições Quetzal,2002


Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

                           Mia Couto, “Para ti”
                                   in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
Quero voar
- mas saem da lama
garras de chão
que me prendem os tornozelos.

Quero morrer
- mas descem das nuvens
braços de angústia
que me seguram pelos cabelos.

E assim suspenso
no clamor da tempestade
como um saco de problemas
-tapo os olhos com as lágrimas
para não ver as algemas...

(Mas qualquer balouçar ao vento me parece Liberdade.)

                    José Gomes Ferreira



Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.

Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um á-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...

Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorri!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...
                            Miguel Torga,
                                    “Não saibas: imagina”

Todo o tempo é de poesia

Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.

Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia

Todo o tempo é de poesia

Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.

         António Gedeão, “Tempo de Poesia”

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